terça-feira, 5 de julho de 2016

MILCHHOF JOHANNING: CONHEÇA A FAZENDA ALEMÃ QUE VEM INOVANDO PARA SOBREVIVER À CRISE EUROPEIA

Guilherme Ristow, estagiário DEULA-Brasil
Finalizando seu programa de estágio promovido pela DEULA-Brasil, Guilherme Ristow publicou no site MilkPoint um depoimento sobre sua experiência em terras alemãs nos últimos meses. Ele reforça a experiência vivida como um diferencial em sua vida, onde vem assimilando novas tecnologias e novas formas de pensar a administração de propriedades rurais. Reproduzimos abaixo o texto, para conhecimento de nossos visitantes.

"Vivendo há quase 11 meses em uma fazenda de gado leiteiro no estado da Baixa Saxônia, cidade de Rehden, Alemanha, fui convidado a compartilhar com os leitores do MilkPoint um pouco da minha experiência e ponto de vista com relação as práticas realizadas pelo setor leiteiro alemão. Na fazenda, minhas atividades são variadas, indo desde a alimentação dos animais, ajuda na ordenha e manejo do silo, até o manejo reprodutivo, aplicação de medicamentos, casqueamento e atividades operacionais da fazenda. A propriedade produz 3.400 litros de leite por dia e no momento, 115 vacas estão em lactação, com média de 30 litros/vaca/dia. 

Todos nós sabemos das dificuldades encontradas pelos produtores da cadeia leiteira - tanto brasileira quanto internacional. Os custos para produzir um simples litro de leite são altos e vão desde produzir o alimento das vacas até os gastos com funcionários, assistência técnica veterinária, aquisição ou criação de animais para a reposição do plantel, custos operacionais da propriedade entre vários outros.  

O litro do leite vendido diretamente do fazendeiro para a leiteria custa - nesse exato momento que escrevo - pífios € 0,19 (acredite ou não, o leite está mais barato que água), tornando a lucratividade da atividade extremamente baixa. Além do alto custo de produção, desde 15 de abril de 2015, acabaram as cotas que impunham limite de litros de leite produzidos por produtor, levando muitos do setor a adquirirem novas terras e mais animais em busca de novos mercados consumidores. A nova realidade levou o continente europeu a uma "superprodução", aumentando drasticamente a oferta de produtos lácteos, despencado os preços. A situação agravou-se com a diminuição da importação de leite em pó pela China, cujo mercado era expressivo para o escoamento do produto alemão.  

Indo na contramão da realidade de muitos produtores que não conseguem ser eficientes, a fazenda Milchhof Johanning na qual eu trabalho – que possui 120 hectares 100% destinados à atividade leiteira - resolveu inovar e começou a comercializar o seu próprio leite não pasteurizado direto ao consumidor. Pelo valor de € 1,00 o litro, oferece um produto fresco, higiênico, barato e delicioso, tudo isso por um preço justo, tanto para quem compra, quanto para quem vende.  

Em termos de novidade, a máquina, que é chamada de "Milchtankstelle” (e que admiro muito!) teve um investimento inicial de € 9.000. O valor é relativamente alto, porém, ela pôde ser paga rapidamente já que uma média de 60 litros por dia é vendida. A máquina é uma forma muito interessante de elevar a rentabilidade da fazenda e, sua utilização, seria muito positiva na cadeia leiteira brasileira, mas, resta saber se nossa legislação um dia permitiria a venda do leite não pasteurizado.  

Muitos talvez estejam se perguntando como é feita a fiscalização desse leite. Ela simplesmente não acontece, pois cada produtor preza por sua dignidade e não seria do interesse deles vender algo estragado para a sua "própria vizinhança”, sendo assim, para a realidade alemã, a "Milchtankstelle" vai bem, obrigado!

Números da fazenda e estrutura física  

A fazenda possui três galpões de animais:
1) vacas em lactação;
2) final da recria e vacas não lactentes;
3) maternidade, bezerreiro, animais desmamados, enfermaria e início da recria.
 

O galpão do leite aloja 120 vacas, as quais são ordenhadas três vezes ao dia pelo sistema robótico "Sac-Insentec” (marca holandesa) e possui também um semiconfinamento durante os meses que temos oferta de pasto (primavera e verão).  

Os alimentos das vacas são servidos duas vezes ao dia. Eles são frescos e são fornecidos no período da manhã e no fim da tarde. A silagem fornecida é composta basicamente por cinco ingredientes: 63% grassilage (silagem de pastagem), 21% maissilage (silagem de milho), 9% lieschkolbenschrot (silagem de espiga do milho), 6% maismehl (grão úmido do milho) e 1% mineralfutter (mineral). A silagem de pasto usada na dieta total constitui-se de quatro espécies de pastagem, as quais se chamam Deutsches weidelgras (Lolium perenne - azevém), Wiesenschwingel (Festuca pratensis - festuca), Lieschgras (Phleum – capim timóteo) e Knaulgras (Dactylis glomerata – capim dos pomares ou dátilo), sendo a espécie predominante a “Deutsches Weidelgras” que possui características de rápido crescimento.



A recria é 100% realizada dentro da fazenda "Milchhof Johanning”. Nas duas primeiras semanas de vida os bezerros são alimentados exclusivamente com leite e depois passam a ocupar um bezerreiro coletivo com uma máquina automática de aleitamento, a qual mistura o sucedâneo à água, fornecendo leite ao animal até os 60 ou 70 dias de vida. 

Durante o pré-desaleitamento os animais consomem alimento concentrado à vontade juntamente com o feno. A área da fazenda é dividida em pastos, trigo, centeio, triticale e milho. A preparação do solo, adubação, espalhamento dos dejetos dos animais no campo e o monitoramento são realizados pelos próprios funcionários. A única fase terceirizada é a da colheita. 

O manejo reprodutivo é muito eficiente, o cio é frequentemente detectado com a ajuda do transpônder que contabiliza os picos de atividade do cio da vaca, indicando com relativa precisão a hora adequada para inseminar. O protocolo reprodutivo usado nos animais "problema" (que não são identificados nas atividades reprodutivas) é o OVYSINC, o qual apresenta resultados satisfatórios.  

Prioriza-se a primeira inseminação entre os 15 e 18 meses de idade. As vacas parem o primeiro bezerro entre os 24 e 27 meses. A média de duração da lactação é de 305 dias, secando-as 60 dias antes do parto. Durante a secagem, o alimento total fornecido é prioritariamente fibroso, fazendo com que as vacas entrem na lactação com ECC (Escore de Condição Corporal) entre 3,5-4. Três vezes por ano, todas as vacas são casqueadas e a cada 2 meses, todo o rebanho passa pelo pedilúvio de desinfecção de cascos, fazendo com que haja uma baixa incidência de problemas relacionados aos membros locomotores.


A segunda inovação que mais me impressiona no sistema implementado é o funcionamento do robô. A instalação e início das atividades custaram em torno de € 120.000, dos quais 30% do valor foram pago com o auxílio de empréstimo do governo do estado, facilitando a aquisição pelos produtores.  

O robô trabalha 24 horas por dia, ordenha duas vacas ao mesmo tempo e possui apenas um braço automático para a colocação das teteiras no animal. Um percentual de 90% das vacas é ordenhado sem a ajuda de funcionários, sendo que as vacas que não se dirigem a ordenha devem ser buscadas e encaminhadas para a mesma, demandando 3 horas de atividade diariamente - metade do tempo pela manhã e o restante no final do dia.
Há varias vantagens que o robô proporciona, entre elas, está o índice de detecção de mastite, o qual funciona com um valor formado por quatro parâmetros: condutividade do leite, presença de sangue, intervalo entre ordenhas e fluxo de leite. Todos os fatores estão relacionados com a possibilidade de alguma infecção no animal.
 

Outras vantagens ainda são a separação do leite fora dos padrões de qualidade (colostro, leite com medicamento e leite de vacas com mastite), diminuição da mão de obra, higiene e principalmente, melhora no aspecto do bem estar animal, haja vista que as vacas se dirigem para a ordenha por livre e espontânea vontade, diminuindo o estresse consideravelmente. O sistema que rege o robô está atrelado a uma porteira automática que dá acesso ao pasto (tornando o sistema um semiconfinamento nos meses quentes do ano). A porteira faz a leitura do transpônder na vaca, dando acesso a pastagem para as vacas que já foram ordenhadas, funcionando como um esquema de feed back positivo pelo leite produzido.  

A terceira e última inovação que vale ressaltar foi a construção da própria leiteria da "Milchhof Johanning", evitando assim a venda do leite por preços injustos para as leiterias concorrentes. O litro de leite que seria vendido por € 0,19, agora é transformado em iogurte, queijo, leite pasteurizado e sorvete, sendo revendido com um alto valor agregado ao consumidor.  

A realidade de muitos não permitiria o investimento em maquinário e infraestrutura para abrir sua própria leiteria, no entanto, aqui a realidade é essa, pois o preço do leite vem caindo e, para o produtor continuar competindo, ele deve encontrar saídas estratégicas para se manter no mercado. Caso contrário, apenas os produtores realmente eficientes sobreviverão".

Por Guilherme Ristow

Estudante de medicina veterinária CAV-UDESC LAGES, atualmente trabalha em uma fazenda de gado leiteiro no estado da Niedersachsen (Baixa Saxônia - Alemanha).

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