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Guilherme Ristow, estagiário DEULA-Brasil |
Finalizando seu programa de estágio promovido pela DEULA-Brasil, Guilherme Ristow publicou no site MilkPoint um depoimento sobre sua experiência em terras alemãs nos últimos meses. Ele reforça a experiência vivida como um diferencial em sua vida, onde vem assimilando novas tecnologias e novas formas de pensar a administração de propriedades rurais. Reproduzimos abaixo o texto, para conhecimento de nossos visitantes.
"Vivendo há quase 11 meses em uma fazenda de gado leiteiro no estado da
Baixa Saxônia, cidade de Rehden, Alemanha, fui convidado a compartilhar
com os leitores do MilkPoint um pouco da minha experiência e ponto de
vista com relação as práticas realizadas pelo setor leiteiro alemão. Na
fazenda, minhas atividades são variadas, indo desde a alimentação dos
animais, ajuda na ordenha e manejo do silo, até o manejo reprodutivo,
aplicação de medicamentos, casqueamento e atividades operacionais da
fazenda. A propriedade produz 3.400 litros de leite por dia e no
momento, 115 vacas estão em lactação, com média de 30 litros/vaca/dia.
Todos nós sabemos das dificuldades encontradas pelos produtores da
cadeia leiteira - tanto brasileira quanto internacional. Os custos para
produzir um simples litro de leite são altos e vão desde produzir o
alimento das vacas até os gastos com funcionários, assistência técnica
veterinária, aquisição ou criação de animais para a reposição do
plantel, custos operacionais da propriedade entre vários outros.
O litro do leite vendido diretamente do fazendeiro para a leiteria custa
- nesse exato momento que escrevo - pífios € 0,19 (acredite ou não, o
leite está mais barato que água), tornando a lucratividade da atividade
extremamente baixa. Além do alto custo de produção, desde 15 de abril de
2015, acabaram as cotas que impunham limite de litros de leite
produzidos por produtor, levando muitos do setor a adquirirem novas
terras e mais animais em busca de novos mercados consumidores. A nova
realidade levou o continente europeu a uma "superprodução", aumentando
drasticamente a oferta de produtos lácteos, despencado os preços. A
situação agravou-se com a diminuição da importação de leite em pó pela
China, cujo mercado era expressivo para o escoamento do produto alemão.
Indo na contramão da realidade de muitos produtores que não conseguem
ser eficientes, a fazenda Milchhof Johanning na qual eu trabalho – que
possui 120 hectares 100% destinados à atividade leiteira - resolveu
inovar e começou a comercializar o seu próprio leite não pasteurizado
direto ao consumidor. Pelo valor de € 1,00 o litro, oferece um produto
fresco, higiênico, barato e delicioso, tudo isso por um preço justo,
tanto para quem compra, quanto para quem vende.
Em termos de novidade, a máquina, que é chamada de "Milchtankstelle” (e
que admiro muito!) teve um investimento inicial de € 9.000. O valor é
relativamente alto, porém, ela pôde ser paga rapidamente já que uma
média de 60 litros por dia é vendida. A máquina é uma forma muito
interessante de elevar a rentabilidade da fazenda e, sua utilização,
seria muito positiva na cadeia leiteira brasileira, mas, resta saber se
nossa legislação um dia permitiria a venda do leite não pasteurizado.
Muitos talvez estejam se perguntando como é feita a fiscalização desse
leite. Ela simplesmente não acontece, pois cada produtor preza por sua
dignidade e não seria do interesse deles vender algo estragado para a
sua "própria vizinhança”, sendo assim, para a realidade alemã, a
"Milchtankstelle" vai bem, obrigado!

Números da fazenda e estrutura física
A fazenda possui três galpões de animais:
1) vacas em lactação;
2) final da recria e vacas não lactentes;
3) maternidade, bezerreiro, animais desmamados, enfermaria e início da recria.
O galpão do leite aloja 120 vacas, as quais são ordenhadas três vezes ao
dia pelo sistema robótico "Sac-Insentec” (marca holandesa) e possui
também um semiconfinamento durante os meses que temos oferta de pasto
(primavera e verão).
Os alimentos das vacas são servidos duas vezes ao dia. Eles são frescos e
são fornecidos no período da manhã e no fim da tarde. A silagem
fornecida é composta basicamente por cinco ingredientes: 63% grassilage (silagem de pastagem), 21% maissilage (silagem de milho), 9% lieschkolbenschrot (silagem de espiga do milho), 6% maismehl (grão
úmido do milho) e 1% mineralfutter (mineral). A silagem de pasto usada
na dieta total constitui-se de quatro espécies de pastagem, as quais se
chamam Deutsches weidelgras (Lolium perenne - azevém), Wiesenschwingel (Festuca pratensis - festuca), Lieschgras (Phleum – capim timóteo) e Knaulgras (Dactylis glomerata – capim dos pomares ou dátilo), sendo a espécie predominante a “Deutsches Weidelgras” que possui características de rápido crescimento.



A recria é 100% realizada dentro da fazenda "Milchhof Johanning”. Nas
duas primeiras semanas de vida os bezerros são alimentados
exclusivamente com leite e depois passam a ocupar um bezerreiro coletivo
com uma máquina automática de aleitamento, a qual mistura o sucedâneo à
água, fornecendo leite ao animal até os 60 ou 70 dias de vida.
Durante o pré-desaleitamento os animais consomem alimento concentrado à
vontade juntamente com o feno. A área da fazenda é dividida em pastos,
trigo, centeio, triticale e milho. A preparação do solo, adubação,
espalhamento dos dejetos dos animais no campo e o monitoramento são
realizados pelos próprios funcionários. A única fase terceirizada é a da
colheita.

O manejo reprodutivo é muito eficiente, o cio é frequentemente detectado
com a ajuda do transpônder que contabiliza os picos de atividade do cio
da vaca, indicando com relativa precisão a hora adequada para
inseminar. O protocolo reprodutivo usado nos animais "problema" (que não
são identificados nas atividades reprodutivas) é o OVYSINC, o qual
apresenta resultados satisfatórios.
Prioriza-se a primeira inseminação entre os 15 e 18 meses de idade. As
vacas parem o primeiro bezerro entre os 24 e 27 meses. A média de
duração da lactação é de 305 dias, secando-as 60 dias antes do parto.
Durante a secagem, o alimento total fornecido é prioritariamente
fibroso, fazendo com que as vacas entrem na lactação com ECC (Escore de
Condição Corporal) entre 3,5-4. Três vezes por ano, todas as vacas são
casqueadas e a cada 2 meses, todo o rebanho passa pelo pedilúvio de
desinfecção de cascos, fazendo com que haja uma baixa incidência de
problemas relacionados aos membros locomotores.


A segunda inovação que mais me impressiona no sistema implementado é o
funcionamento do robô. A instalação e início das atividades custaram em
torno de € 120.000, dos quais 30% do valor foram pago com o auxílio de
empréstimo do governo do estado, facilitando a aquisição pelos
produtores.
O robô trabalha 24 horas por dia, ordenha duas vacas ao mesmo tempo e
possui apenas um braço automático para a colocação das teteiras no
animal. Um percentual de 90% das vacas é ordenhado sem a ajuda de
funcionários, sendo que as vacas que não se dirigem a ordenha devem ser
buscadas e encaminhadas para a mesma, demandando 3 horas de atividade
diariamente - metade do tempo pela manhã e o restante no final do dia.
Há varias vantagens que o robô proporciona, entre elas, está o índice de
detecção de mastite, o qual funciona com um valor formado por quatro
parâmetros: condutividade do leite, presença de sangue, intervalo entre
ordenhas e fluxo de leite. Todos os fatores estão relacionados com a
possibilidade de alguma infecção no animal.
Outras vantagens ainda são a separação do leite fora dos padrões de
qualidade (colostro, leite com medicamento e leite de vacas com
mastite), diminuição da mão de obra, higiene e principalmente, melhora
no aspecto do bem estar animal, haja vista que as vacas se dirigem para a
ordenha por livre e espontânea vontade, diminuindo o estresse
consideravelmente. O sistema que rege o robô está atrelado a uma
porteira automática que dá acesso ao pasto (tornando o sistema um
semiconfinamento nos meses quentes do ano). A porteira faz a leitura do
transpônder na vaca, dando acesso a pastagem para as vacas que já foram
ordenhadas, funcionando como um esquema de feed back positivo pelo leite produzido.
A terceira e última inovação que vale ressaltar foi a construção da
própria leiteria da "Milchhof Johanning", evitando assim a venda do
leite por preços injustos para as leiterias concorrentes. O litro de
leite que seria vendido por € 0,19, agora é transformado em iogurte,
queijo, leite pasteurizado e sorvete, sendo revendido com um alto valor
agregado ao consumidor.
A realidade de muitos não permitiria o investimento em maquinário e
infraestrutura para abrir sua própria leiteria, no entanto, aqui a
realidade é essa, pois o preço do leite vem caindo e, para o produtor
continuar competindo, ele deve encontrar saídas estratégicas para se
manter no mercado. Caso contrário, apenas os produtores realmente
eficientes sobreviverão".
Por
Guilherme Ristow
Estudante
de medicina veterinária CAV-UDESC LAGES, atualmente trabalha em uma fazenda de
gado leiteiro no estado da Niedersachsen (Baixa Saxônia - Alemanha).
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